[continuação]

 

Curso Superior

Desejando aprofundar os estudos, interrompi o trabalho para preparar-me para o vestibular. Surpreendeu-me no cursinho a forma de ensino tipo “passar por cima”, entender para fazer exame apenas; não se podia perder tempo em aprofundar, em entender melhor o porquê, as implicações, etc. Por outro lado, nas áreas de humanas, percebia a critica que os professores procuravam fazer à sociedade e isto abria horizontes.

Fui aprovado no ITA. Na palestra inaugural, o coronel-aviador começou sua fala dizendo com muita convicção: “Prefiro ter 100 idiotas obedientes a ter 100 gênios rebeldes”... (eram 100 as vagas para civis; mais 20 para militares) (estávamos em 1977, em pleno regime militar). Assim que saiu o resultado da Poli, fui para lá! Continuei os estudos em engenharia eletrônica e permaneci atuando na área da Educação.

Também na engenharia, percebi o fraco desempenho pedagógico dos professores: o que importava era dar o conteúdo, não havendo preocupação —a não ser em raras exceções— com a aprendizagem; certas matérias eram verdadeiros tabus para os alunos, e seus professores pareciam até se vangloriar disto. Outros, pareciam não entender o que se passava. Lembro-me do professor de Cálculo (que tinha mais de 50% de reprovação), perplexo, diante da classe, exclamando: “Vocês foram mal, você foram mal...”, como se ele nada tivesse com isto!

Na Politécnica, o ambiente não era muito diferente em termos de uma cosmovisão bastante restrita pelo viés da técnica. Entretanto, havia brechas maiores. Peguei a época de retomada do movimento estudantil; participei de muitas assembleias, passeatas, atos públicos. Pouco a pouco, a questão social foi se tornando relevante para mim em termos de preocupação intelectual.

O período da Poli significou uma ruptura. Aos poucos a técnica foi perdendo o valor e outras questões foram se colocando. De um lado, caminhava o pensar lógico, que considero muito importante até hoje, só que não da forma desarticulada como era veiculado. O Cálculo, os problemas da Física, da Resistência dos Materiais, da Mecânica dos Fluídos, as derivadas parciais, o gradiente, o divergente, o rotacional, etc., tudo isto tenho como pano de fundo comigo e creio mesmo que me ajuda na compreensão do universo e das relações sociais (assim como nos esquemas na preparação das aulas). Por outro lado, o questionamento pessoal em relação ao meu posicionamento no mundo e ao caminho que estava fazendo.

Neste período minha vivencia de igreja teve também forte influencia. Comecei a participar de movimentos que colocavam a questão do pobre, da injustiça, da exploração, etc. No contato com alguns pobres (através da Organização de Auxílio Fraterno - OAF) fui profundamente questionado (ou questionei-me). De um lado, estava recebendo uma formação que parecia não saber que o mundo existia; de outro, percebia o mundo em ebulição.

A repercussão de Puebla (III Conferência Episcopal Latino-Americana, na cidade de Puebla, no México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979) foi particularmente decisiva para mim; multiplicaram-se encontros de divulgação do documento (o verdinho), antes mesmo (e por isso mesmo, com receio de modificações) da aprovação do Papa. O contato com D. Angélico, D. Luciano, depois Prof. Benedito Ferrari, Gutierrez e Frei Betto colocaram definitivamente a questão do social para mim. Resolvi parar a engenharia.    

Fui para o seminário Franciscano, em Guaratinguetá/SP; queria ser padre, frade franciscano. Fiquei, no entanto, pouco tempo por lá. Voltei no mesmo ano (1980) para São Paulo5

Fui fazer Filosofia (Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira). A primeira aula que assisti na Filosofia, no dia 9 de abril, foi de História Política e Econômica, com a Profa. Walquíria Rêgo, em que trabalhava com a turma o texto de Marx, do Capital, “A Chamada Acumulação Primitiva”. O trabalho sobre este texto foi uma experiência extremamente marcante. Minha formação em humanas era muito restrita. Até a 1ª aula com o Prof. Roberto Romano, em que falava de Descartes, não tinha me dado conta da origem do nome daquilo que tanto usávamos na escola técnica, o plano cartesiano...

Fiquei um tempo desempregado. Assim que deu, voltei a trabalhar como professor, num curso supletivo noturno. Devagar fui ocupando novos espaços na educação.

No final da Filosofia, comecei a fazer algumas disciplinas da Pedagogia. Surpreendeu-me a falta de preocupação com a fundamentação: havia entre os alunos, além de certo desinteresse (a participação ativa era bem localizada), uma superficialidade, as ideias sendo consumidas sem criticas. Preocupava-me esta colcha de retalhos intelectual.

Encontrei eco para esta minha preocupação com a questão do conhecimento no contato com o Prof. Paulo Freire6, num curso sobre “Ação”; percebi que aquela preocupação com sala de aula era muito mais ampla, pois o conhecimento media toda nossa relação com o mundo. Fui intuindo, então, a questão do tônus, do sentido, de um certo compromisso de vida, sem o qual as coisas carecem de sentido. Em outro momento este sentido era dado para mim apenas pelo viés religioso. Percebi então que na realidade este viés poderia ser ampliado e enriquecido pelo contato com o profano, já que tudo o que é humano não me é estranho, ou seja, esta questão tem uma raiz antropológica profunda.

             As experiências vivenciadas na comunidade a partir dos 16 anos me oportunizaram algum conhecimento, mas foi sobretudo na Filosofia que brotou o desejo de descobrir não “como ensinar”, mas como se dá o conhecimento. Isto, inclusive, deu inspiração para minha dissertação de mestrado: Metodologia Dialética de Construção do Conhecimento em Sala de Aula. Encontrei na Filosofia oportunidade para pesquisar. Busquei também matérias da Pedagogia por interesse e satisfação, e por estar trabalhando como professor, orientador educacional e coordenador pedagógico.

Fiz o mestrado em Filosofia da Educação na PUC/SP, com orientação do Prof. Antonio Joaquim Severino, e o doutorado em Educação na USP, orientado pela Profa. Sônia Penin.

             Portanto, minha opção pelo magistério foi se constituindo aos poucos. Dediquei-me à pesquisa, sempre querendo entender melhor: daí o mestrado, doutorado, diálogo com professores, assessorias, palestras, desafios. Os problemas que os educadores estavam e estão enfrentando na realidade são a matéria-prima da reflexão; procuro disponibilizar a sensibilidade e experiência que adquiri ao longo desses anos de prática da sala de aula.

 

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5.O dia da volta do seminário (lembro-me de estar na rodovia Presidente Dutra, no fusca de meu amigo Luiz Kohara, lotado com minhas coisas, especialmente livros) foi um dos que me senti mais livre na vida: não tinha onde morar, não tinha onde estudar, não tinha onde trabalhar... Tinha, é claro, a casa dos meus pais no interior, mas sabia que não voltaria morar lá.

6.Meu primeiro contato com a obra de Paulo Freire deu-se em 1977, não no âmbito da academia, mas dos movimentos sociais (nesta época cursava engenharia). Antes das rondas pelo centro da cidade de São Paulo, organizadas pela OAF (Organização de Auxílio Fraterno), aos sábados à noite, costumávamos fazer uma reflexão coletiva (Ivete, Nenuca, Fortunata, Reginas, Luiz, Gema, Paco, Rogério, Maria do Carmo, etc.). Foi aí que conheci a Pedagogia do Oprimido, em textos mimeografados a álcool. Posteriormente, voltei a estudar Freire no Cevam (Centro de Evangelização Missionária), onde fazia curso de teologia para leigos. Tive contato com outros textos de Freire através do Movimento Fé e Alegria, em 1980. Conheci pessoalmente Paulo Freire no curso Dimensões Políticas, Sociais, Econômicas e Culturais da Educação através da Leitura do Ciço, por ele ministrado. Durante as aulas, Paulo comentou que o recém fundado Vereda – Centro de Estudos em Educação (que organizara o curso sobre Ciço), do qual era presidente, estava com dificuldade para suas instalações. Na época, eu era coordenador pedagógico do Instituto de Ensino Imaculada Conceição (Imaco); conversei, então com nosso diretor, prof. Luiz Pierre, que prontamente ofereceu uma sala da escola para o Vereda. A partir daí, tínhamos o privilégio de cruzar com Paulo Freire nos corredores da escola, assim como de participar de atividades do Vereda, e ainda promover encontros de Paulo com nossos alunos e professores. Foi um período muito marcante para todos nós.

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